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ARTIGO
 
O CRIME DE USURA À LUZ DA TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO
Postado em: 24/08/2015
O CRIME DE USURA À LUZ DA TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO
O que se pretende fazer é uma análise crítica sobre a figura típica do crime de usura previsto no artigo 4º da Lei 1.521/51, verificando como ele se comporta quando suas principais características são subjugadas aos critérios valorativos estabelecidos pela Teoria Constitucionalista do Delito.

2. ASPECTOS LEGAIS SOBRE A USURA

Importante esclarecer que não há reserva legal para o termo agiotagem, tendo sido ele criado pela própria sociedade, que por anos tem denominado quem empresta dinheiro a juros com sendo o agiota. Na lei o termo que explica essa prática é usura, mas na prática usura e agiotagem acabam sendo sinônimos.
Estabelecendo uma definição do que seria a usura, pode-se dizer ser ela a prática de empréstimo monetário, feito entre particulares de forma escrita ou verbal, com estipulação de juros que ultrapassam margem permitida em lei, e sem a anuência do banco central.

2.1 ASPECTOS PRÁTICOS ENTRE A USURA E OS EMPRESTIMOS BANCÁRIOS

Importante que todos entendam que uma conduta não pode ser criminalizada para uns e para outros não. E é justamente isso que tem ocorrido, pois se criminaliza o empréstimo feito por particulares e se permite a negociação, com fixação indiscriminada de juros, por parte das instituições financeiras.
Tanto quem empresta assim como quem toma emprestado, ambos são tidos como partes contratantes, assim como as que se vê em qualquer contrato. Ademais, comparando o empréstimo feito por particular daquele feito pelas instituições, restam claras as seguintes características: i) nas duas situações a procura pelo empréstimo ocorre de maneira voluntária; ii) é perfeitamente possível que as partes convencionem a taxa de juros que será cobrada; iii) podem as partes convencionarem a forma e o tempo para a quitação.

2.2 A USURA LEGALIZADA (OS JUROS DOS BANCOS)

O argumento de que o agiota é ambicioso e cobra juros altíssimos, se aplica sobre medida às instituições financeiras. O pior, e na verdade a única diferença, é que essas fazem de forma legítima, pois possuem o aval do Estado para extorquirem a população. Prova disso, analisando lista divulgada pelo Banco Central no mês de julho de 2012, verifica-se que uma das empresas ali listadas cobrou de juros a marca de 833,50% ao ano. E nem por isso essa conduta dolosa é tida como crime de usura.

Na verdade, a própria configuração do crime de usura já é por si só problemática, pois não se sabe ao certo quais parâmetros de juros devem servir para sua configuração. Sendo assim, como não há no tipo penal do artigo 4º da Lei 1.521/51, nenhuma elementar que discipline o quantum de juros é capaz de tornar a conduta criminosa, é entendimento majoritário que por meio de uma interpretação sistemática deve-se aplicar o artigo 161, §1º do Código Tributário Nacional, que determina a fixação de um por cento ao mês.
Ademais, para se conhecer as reais dimensões do delito de usura, importante dissociar sua prática e sua existência de qualquer outra figura típica que por ventura venha ser praticada. O crime em questão é independente, e, além disso, formal, ou seja, consuma-se no exato momento em que ocorre a negociação, não dependendo sequer da obtenção real do lucro.


3. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO

Desenvolvida pelo brilhante doutrinador Luiz Flávio Gomes, essa teoria não recebeu o nome de constitucionalista por acaso, por meio dela ele reorganizou a tipicidade penal fazendo com que esta ficasse de acordo, principalmente, com as normas basilares de proporcionalidade e razoabilidade.
A necessidade de se ter um sistema penal mais crítico no sentido de verificar a própria existência dogmática do crime, e mais sensível com toda e qualquer violação de premissa constitucional, foi que possibilitou e, na verdade, exigiu que a tipicidade passasse a considerar a imputação objetiva.
Claro que o tema é bem mais complexo, mas em linhas resumidas pode-se dizer que a Teoria Constitucionalista do Delito, não só analisa a conduta do individuo como ainda valora o risco por ela produzido, auferindo do resultado jurídico as seguintes comprovações, ou o preenchimento dos seguintes quesitos: i) A lesão deve ser real ou concreta; ii) A lesão também deve ser transcendental; iii) Intolerável; iv) O resultado deve ser objetivamente imputado ao risco criado ou incrementado; v) O resultado deve estar no âmbito de proteção da norma;


4. ATIPICIDADE DO CRIME DE USURA “AGIOTAGEM” À LUZ DA TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO DELITO

Vale começar essa análise, justamente pelo primeiro dos vetores que é a ofensa real e concreta. Conjugando tal premissa com o crime de usura, não se é possível auferir qualquer tipo de resultado que represente efetivamente uma lesão ou ameaça de lesão considerável. Isso porque, não há sequer lesão a ser considerada, haja vista tratar-se de um crime formal que não necessita nem mesmo de resultado para sua verificação.
Outrossim, importante desdobramento verifica-se nesse momento vez que a tipicidade material, exige para sua configuração a produção de resultado que represente uma ofensa real e concreta. Ainda sobre esse prisma, vale dizer que o fundamento de tal vetor consubstancia-se no princípio da lesividade, onde por meio dele a atuação do direito penal como extrema ratio, faz-se necessária somente nos casos em que se verifique a ocorrência de uma lesão significante contra um bem jurídico de extrema relevância humana, individual e social, o que diga-se nada tem haver com o crime de usura.
Seguindo com a análise dos vetores da tipicidade material à luz da Constituição, chega-se agora no vetor da transcendentalidade, que por meio de um raciocínio lógico de indagação, se a lesão vista ou o risco produzido no caso da usura não é suficiente para preencher ou tornar presente o primeiro vetor, igualmente não se pode considerar como sendo ele (lesão ou risco proibido) tanscedental, ou seja, seguindo a linha principiológica, aqui em especial o princípio da alteridade, não se pode considerar como típica a conduta que não produza efeitos consideráveis sobre terceiros.
O terceiro vetor, atendendo a lógica estruturante da tipicidade material, consiste na gravidade do resultado produzido. O que representa e prova toda logicidade do sistema, posto que o mesmo resultado que deve ser concreto e contra terceiros, para comprovar a tipicidade material deve ainda ser grave. Desaguando assim no princípio da ofensividade que só considera típica a conduta que cause lesão significante, ou seja, grave a bem jurídico de relevância social, individual e humana. Sendo assim, que tipo gravidade se pode auferir, senão o próprio risco da contratação?
O quarto vetor especifica que a lesão deve ser tão grave e ofensiva que torna-se intolerável aos olhos da sociedade. O que de ante mão já se descarta no caso da usura, posto que sabidamente ela existe desde que o mundo é mundo e só tem se perpetrado pelos séculos justamente por ser uma prática tolerada e aceita pela sociedade.
Não fugindo à linha principiológica e demonstrando como que os fundamentos da tipicidade material são sólidos e robustos, ainda sobre esse ponto vale a invocação de mais um princípio, agora o dito adequação social, que estabelece que só se pode considerar típica a conduta que não seja tolerada pela sociedade, posto que do contrário, sendo o fato socialmente aceito não se verificará o preenchimento da tipicidade necessária para a configuração de crime.
Seguindo com a análise que tem demonstrado ser o crime de usura um atípico penal. Vale voltar os olhos para o quinto vetor da tipicidade material, que estabelece não só a necessidade de um resultado, como ainda que possa ser ele imputado à conduta do agente.
O problema visto aqui não consiste propriamente na imputação, mas no que poderia ser imputado, haja vista que conforme se viu pelos vetores anteriores, não se pode auferir da conduta do agiota a efetiva produção de uma lesão grave ou risco proibido, contra bem de terceiro e muito menos sendo ela grave e intolerável.
E por fim, resta apenas o último dos vetores que é a verificação da anterior proteção da norma. Esse na verdade é ponto chave dessa análise, pois é o único dos vetores que poderiam indicar uma tipicidade material, simplesmente porque a usura possui reserva de lei. Mas vale dizer, que os vetores para a tipicidade material são cumulativos. E justamente por ser assim, é que esse último requisito é insuficiente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de subjugar o crime de usura aos filtros da citada teoria, não foi difícil concluir que o citado crime não possui um mínimo de tipicidade material que justifique ou até mesmo indique a necessidade de tal figura continuar sendo típica. Na verdade o que se viu foi que de todas as formas o crime de usura é materialmente atípico, e sendo assim deve ser execrado do direito penal. Sem olvidar ainda que o direito civil já dispõe todas as condições para cuidar plenamente da matéria.
Importante esclarecer que não se defende a cobrança indevida de juros. O que se pretendeu foi tão somente demonstra que o problema não merece atenção penal, e que melhor seria se outros setores, como por exemplo, o direito civil, ficasse realmente encarregado de tal tutela.
Por fim, ressaltando a importância dessa teoria, vale dizer que o exercício possibilitado por ela, cabe para qualquer infração penal, o que faz dela verdadeiro termômetro de constitucionalidade, indicando com precisão quais infrações merecem existir e quais não. Sobre exercício feito com o crime de usura, o resultado foi uníssono em afirmar que tal figura é materialmente atípica, não merecendo tutela penal.


Autor:
*Fabricio da Mata Corrêa - OAB/ES - 17.532* *Especialista em Ciências Penais *Assessoria e Advocacia Criminal* *Advogado do NUPRAJUR das Faculdades Unificadas DOCTUM/ES*
*www.fmcassessoriajuridica.jur.adv.br*
*http://www.direitopenalemdia.blogspot.com*/
http://atualidadesdodireito.com.br/fabriciocorrea/


REFERÊNCIAS

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