O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO PRECONIZADO PELA CONSTITUIÇÃO EXIGE UMA ADVOCACIA PUBLICA AUTÔNOMA E VALORIZADA
Postado em: 01/12/2015
1 de junho de 2015 - ALDEMARIO ARAUJO CASTRO
A Constituição de 1988 consagrou, de forma original, as chamadas Funções Essenciais à Justiça (Ministério Público, Advocacia Pública, Defensoria Pública e Advocacia). Trata-se de uma importantíssima novidade na organização dos Poderes Públicos voltada para a construção e funcionamento, em patamar superior e mais eficiente, do Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição da República.
A advocacia da sociedade foi atribuída ao Ministério Público para a defesa de interesses sociais com várias dimensões subjetivas, da ordem jurídica e do regime democrático. A advocacia dos necessitados, responsabilidade da Defensoria Pública, busca a defesa dos direitos daqueles marcados pela insuficiência de recursos pecuniários. A advocacia do Estado, realizada pela Advocacia-Geral da União e pelas Procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, está vocacionada para a defesa do interesse público, prevenção de ilícitos, notadamente de improbidade e corrupção, e a realização das políticas públicas.
O desenho constitucional referido é uma das mais emblemáticas manifestações da profunda transformação do espaço público para incorporar instituições novas responsáveis por uma complexa rede de contenções e colaborações recíprocas para o atingimento dos maiores e melhores desígnios do Estado Democrático de Direito. Assim, fica supera uma concepção atrasada e dogmática da repartição dos poderes estatais, presa ao liberalismo clássico do Século XIX, que só enxerga, por deficiência intelectual ou conveniência política, a existência e o funcionamento dos três poderes estatais clássicos.
A Constituição, já no seu texto original, conferiu ao Ministério Público os instrumentos institucionais necessários para o cumprimento adequado de suas missões, em especial as autonomias administrativa, financeira e funcional. Esses mecanismos, inicialmente ausentes para a Defensoria Pública, foram atribuídos por emendas constitucionais, recentemente aprovadas. Assim, o cenário institucional atual aponta para uma deficiência, que precisa ser superada, em relação à Advocacia Pública. É preciso dotar a Advocacia do Poder Público, e os advogados públicos, das ferramentas necessárias para atuação mais eficiente possível em favor do Estado e da sociedade e com paridade de armas em relação aos demais atores jurídicos.
A superação dessas deficiências institucionais da Advocacia Pública pode ser efetivada com a aprovação das PECs 82 e 443, em tramitação na Câmara dos Deputados.
A PEC 82 assegura as autonomias administrativa, orçamentária e técnica da Advocacia Pública e delimita a singular independência técnica dos advogados públicos informada pela juridicidade, racionalidade, uniformidade, defesa do patrimônio público, da justiça fiscal, da segurança jurídica e das políticas públicas.
Anote-se que a PEC 82 explicita o papel fundamentalmente construtivo da Advocacia Pública. A peculiar independência técnica dos advogados públicos, a ser consagrada na Constituição como consequência da autonomia institucional, decorre de uma identidade funcional bem definida. Esse papel construtivo da Advocacia Pública consiste basicamente num compromisso com a manutenção e o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito. Exige a explicitação dos caminhos ou soluções juridicamente válidos para a efetivação das políticas públicas. Impõe análise e demonstração de riscos, ante a doutrina e a jurisprudência existente. Reclama uniformização de atuações e posicionamentos para fora dos órgãos jurídicos, por razões de eficiência e tratamento igualitário, notadamente para com o cidadão. Fica, assim, afastada a atuação individual ou isolada, de forma irracional e geradora de insegurança jurídica, do advogado público.
Portanto, a independência técnica decorrente da PEC 82 não é absoluta ou ilimitada. Não se trata de uma prerrogativa pela prerrogativa. Também não consiste num privilégio sem relação estreita com a realização do interesse público. A independência técnica do advogado público, conformada na legislação pertinente, obriga uma atuação positiva, sempre que viável. O advogado público, numa relação harmoniosa e respeitosa para com os gestores públicos, em especial aqueles eleitos, buscará, como dever funcional inscrito no parágrafo único do novo art. 132-A da Constituição, a realização dos interesses públicos primários e secundários devidamente informados pela juridicidade e segurança jurídica.
Já a PEC 443 viabiliza a justa e necessária paridade remuneratória entre as carreiras da Advocacia Pública e as demais integrantes das Funções Essenciais à Justiça.
Observe-se que as carreiras jurídicas da Advocacia-Geral da União foram expressamente constitucionalizadas no parágrafo segundo do art. 131. Esse dispositivo define um status jurídico diferenciado para os membros da AGU. Obviamente, não se trata de mera reafirmação da necessidade de concurso público para ingresso em carreiras de servidores estatais. Materializa-se a aludida diferenciação, entre outros aspectos, na fixação de remunerações em patamares compatíveis com as complexas atribuições desenvolvidas e em simetria com as outras carreiras que dão vida às demais Funções Essenciais à Justiça.
Exatamente nesse sentido aponta o enunciado presente no parágrafo segundo do art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Com efeito, essa regra garante ao membro do Ministério Público a faculdade de transitar para as carreiras jurídicas da AGU, quando da instalação dessa última instituição. Seria um rematado absurdo, evidentemente, admitir movimentação funcional dessa natureza com redução remuneratória, inclusive com ofensa à irredutibilidade explicitamente inscrita na alínea “c” do inciso I do parágrafo quinto do art. 128 do Texto Maior.
Portanto, a autonomia e a valorização, na forma da paridade remuneratória entre as carreiras das Funções Essenciais à Justiça, são medidas profundamente acertadas e necessárias para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito, complementando o trabalho do constituinte originário.