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ARTIGO
 
DA IMPRESCRITIBILIDADE DO HOMICÍDIO DOLOSO
Postado em: 24/08/2015
Com o advento da Constituição de 1988, a sistemática jurídica brasileira passou a ter uma nova conotação, onde se passou a colocar a vida humana como o bem jurídico mais importante de todo o ordenamento, prova disso foi à inserção do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana dentre o rol das premissas constitucionais.

O tema abordado é por si só é capaz de causar nas pessoas certo receio em se posicionar, isso até é normal considerando que a alteração pretendida visa modificar o texto constitucional. Ocorre que tal discussão se faz necessária, pois quando se fala em vida humana não há nada, nem mesmo a própria Constituição que seja mais valiosa do que ela.

Sobre a prescrição penal, a regra é que todos os crimes sejam suscetíveis a ela, quando o prazo legal permitido para apuração de cada crime não for observado. Todavia, respeitando a máxima de que para toda boa regra sempre existe uma ótima exceção, é por bem que se diga que existem alguns crimes que não sofrem a incidência da prescrição, portanto, não são prejudicados com a influência do tempo sobre a instrução criminal, pois independentemente disso sua apuração ocorrerá de forma tranquila, independente do tempo que isso leve.

É compreensível que neste momento se questione sobre quais crimes possuem tal característica, vez que nem mesmo a vida recebeu tratamento idêntico. Por se tratar de matéria tão complexa não poderiam estar em outro lugar senão na Constituição Federal, que por meio do Poder Constituinte Originário, estabeleceu, de forma não exauriente, que o crime de racismo , ou todo aquele praticado contra o Estado Democrático de Direito , são imprescritíveis.

Neste momento, é importante que se faça o seguinte questionamento: qual foi o critério utilizado para se atribuir ao referidos crimes a característica da imprescritibilidade? Fato é que muitas respostas podem ser dadas, porém, na atualidade, o que com certeza não se verá é um crime político possuindo tal característica.

HOMICÍDIO E A PRESCRIÇÃO

Alicerçando a prescrição esta o fenômeno do desaparecimento dos efeitos do delito no meio social. Refere-se à influência do tempo sob os efeitos do crime, ao passo que, quando determinado crime não é logo resolvido e consequentemente caído no “esquecimento” pela sociedade, ele acaba perdendo todo fardo pejorativo que a própria sociedade o atribuíra anteriormente. Tal fundamento também se consubstancia na Teoria do Esquecimento Social, muito bem explicada pelo Dr. Fábio André Guaragni, que disse:

É incontestável a correção desta forma de pensar, de vez que a passagem do tempo inexoravelmente apaga os vestígios do crime e a lembrança do fato na memória das pessoas, inviabilizando o juízo de certeza exigido para a condenação. (GUARAGNI, 2008, p. 27/28).

Ainda sobre essa teoria, é importante frisar que em relação ao crime de homicídio doloso, a mesma não deve ter qualquer tipo de influência, haja vista que o crime em si nunca poderá ser esquecido, pelo simples fato de que seus efeitos já são imprescritíveis. Apenas como forma de melhor explicar essa fala, pode-se lançar mão neste momento de exemplos marcantes que não caíram no esquecimento social e nunca cairão devido à repercussão que tais crimes tiveram ainda no seu nascedouro.

O caso visto em 1994, em que vitimou a atriz Daniela Peres sendo ela brutalmente assassinada pelo namorado e por sua parceira, fato este que marcou época. Calha lembrar, que foi este o vetor principal para a inclusão do homicídio qualificado no texto da lei de crimes hediondos , através de uma manifestação encabeçada pela escritora Glória Peres, mãe da Daniela. Tal manifestação viabilizou a inserção de tal crime dentro dos “numerus clausus” da referida lei, uma vez que por respeito ao princípio da legalidade só poder-se-á considerar um crime como hediondo quando a lei assim disser.

Existem ainda, outros casos que marcaram história, e pela brutalidade ficaram eternizados na mente das pessoas, tanto às que já possuíam capacidade e discernimento racional na época em que eles foram praticados, como também àquelas que sequer eram nascidas, mas que se questionadas falaram sobre eles.

Como exemplos de tais crimes, pode-se citar o homicídio doloso cometido contra o Chico Mendes. Este que na década de 80 era seringueiro, sindicalista e acima de tudo extremo defensor da floresta Amazônica, o que despertou o incômodo de muita gente. Até que na cidade de Xapuri, em 22 de dezembro de 1988, foi ele morto a tiros. Mais tarde, Darly Alves da Silva e Darcy Alves Ferreira, autores de tal barbárie foram condenados. O corpo de Chico Mendes só veio a ser encontrado e confirmado já na década de 90, através de exame de DNA.

Caso semelhante, ainda no Estado do Amazonas, porém mais recente foi o da missionária Dorothy Stang, que defensora dos pequenos produtores rurais despertou a ira dos grandes fazendeiros locais. Tendo sido este motivo suficiente para que na cidade de Anapu, em 12 de fevereiro de 2005, fosse ela vítima de crime de homicídio doloso, tendo sido morta com sete tiros.

Considerar o homicídio qualificado um crime hediondo foi, e é sem dúvida uma grande conquista. Outra será quando também não houver mais a incidência do fenômeno da prescrição sobre o mesmo, pois conforme já dito, o homicídio de uma forma geral tutela o bem jurídico mais importante de todos, que é a vida, e tratá-la com esse descaso, é além de um desrespeito com o ser humano, um desrespeito e uma afronta à Constituição Federal.

Em relação à Prescrição da Pretensão Punitiva do crime de homicídio, seja o previsto no “caput” ou no parágrafo segundo, de acordo com o art. 109 do Código Penal, e desconsiderando qualquer incidência de minoração, o prazo prescricional é de vinte anos. Isso considerando o máximo de pena cominado em ambos os preceitos secundários. Contudo no caso da pretensão punitiva retroativa, intercorrente ou a executória, em que já pese sobre o acusado um decreto condenatório, estabelecendo desta forma um “quantum” de pena, esse prazo que a princípio era de vinte anos, poderá ser ainda menor.

Ao se abordar um tema pouco estudado e debatido, é comum que surjam comentários no sentido de dizer que tal legalização traria ao mundo jurídico muita insegurança. Ocorre que é necessário que haja a conscientização que não se trata de cobrança de dívidas pecuniárias, nem de qualquer das espécies de obrigações cíveis, que podem ser facilmente ressarcidas na esfera cível. Todavia, o que se tutela neste momento é a vida de um ser humano, que por mais que se faça nunca mais será restabelecida e tampouco poderá ser compensada. Logo, é imperioso que se entenda a importância de se punir a quem de direito, independente o tempo que leve.

Grande problema que se apresenta neste momento é em relação ao Estado, ou seja, à máquina estatal e o fato da mesma encontrar-se praticamente “falida” no que diz respeito aos procedimentos persecutórios, bem como executórios, isso traz como consequência o fato de que determinados procedimentos levam mais tempo do que o necessário para serem realizados.

O que não se deve é considerar tal situação normal para permitir que a prescrição coloque óbice no jus puniendi estatal, pelo menos não em relação ao homicídio doloso. O simples fato da demora de determinados procedimentos não pode ser responsável ou suficiente por tornar extinta a punibilidade daquele, que não respeitou o Direito Constitucional à vida e matou outrem dolosamente.

O lapso no caso do crime de homicídio, não possui qualquer influência, uma vez que este é um crime cujos efeitos se perpetuam no tempo, o simples fato de se passar vinte anos, considerando a pena em abstrato, não deve inviabilizar o direito dever de punir do Estado, tendo em vista que a vida que foi ceifada nunca mais poderá ser restabelecida, daí a importância de que tal crime, quando praticado dolosamente não possa mais ser objeto da prescrição penal.

Não se pode olvidar, que os efeitos do crime não se relacionam apenas com a vítima do crime de homicídio. Ademais, de igual monta os familiares e amigos das vítimas também são atingidos, claro que indiretamente. Entretanto, após a consumação do crime, o que se nota é um sentimento de impunidade devido à toda incerteza, lentidão e a falta de uma prestação eficiente do Estado na apuração do crime, o que por consequência causa na sociedade, de uma forma geral, um enorme sentimento de revolta.

Ora, se a lentidão da justiça já é suficiente por causar na sociedade, esse sentimento de revolta, imagine quando uma mãe que teve um filho como vítima de crime homicídio doloso é informada que o responsável por tal crime não será mais julgado por conta da prescrição penal. Nesse sentido, são perfeitamente justificáveis todas as críticas feitas à justiça brasileira, bem como ao sistema prescricional brasileiro, pois ele não tem sido capaz de dar à sociedade uma resposta efetiva, ainda que lenta, mas que além de ser necessária, é acima de tudo justa!

CONCLUSÃO

Com a devida vênia, a conduta do constituinte originário é totalmente incongruente, tendo em vista que ao mesmo tempo que ratifica o fato de ser a vida humana o maior bem jurídico, de onde decorre todos os demais direitos, nada fez para evitar que a prescrição incidisse sobre ela. Certo é que, não basta simplesmente dizer qual a importância da vida humana, sem que seja dado à ela um tratamento diferenciado ao dos outros crimes.

Ao passo que atribuir ao crime de homicídio doloso a característica, de ser ele também imprescritível, estar-se-ia desta forma resguardando ainda mais a vida humana, dando a ela o tratamento merecido, e possibilitando que o jus puniendi estatal não “morra” em face daquele que não respeitou esse direito que os indivíduos possuem que é à vida. Esta que por sua vez, diferente de qualquer outro bem jurídico não pode uma vez cessada ser restabelecida, e tampouco compensada, por isso que nestes casos a prescrição não é uma escolha, e sim um fardo, que a sociedade brasileira tem carregado.


Autor:
*Fabricio da Mata Corrêa - OAB/ES - 17.532* *Especialista em Ciências Penais *Assessoria e Advocacia Criminal* *Advogado do NUPRAJUR das Faculdades Unificadas DOCTUM/ES*
*www.fmcassessoriajuridica.jur.adv.br*
*http://www.direitopenalemdia.blogspot.com*/
http://atualidadesdodireito.com.br/fabriciocorrea/


REFERÊNCIAS

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