O poder da mídia sobre as pessoas e sua interferência no mundo do direito
Postado em: 01/09/2015
Não é de hoje que vemos e sabemos da força que a mídia possui, e isso fica mais nítido quando por meio de toda essa força ela passa a inculcar nas pessoas uma ideia ou mesmo um ponto de vista já formado sobre determinado assunto. E note que quando fazemos referência à mídia, estamos na verdade nos referindo à todas as suas formas de veiculação, seja ela falada, escrita, televisada e até aquela feita pelos meios virtuais e outros meios que sejam possíveis.
Não se nega que a mídia possua relevância impar para a manutenção de uma democracia, entretanto, isso não significa que às custas deste argumento ela possa manipular, ainda que de forma velada, tudo aquilo que é veiculado a fim de movimentar a massa social num determinado caminho.
Por isso que se deve questionar: até que ponto a mídia deve atuar e quais os seus limites em um Estado verdadeiramente democrático?
Esse questionamento consiste no fato de que muitas das vezes a sociedade não passa de massa de manobra na mão da mídia, utilizada toda vez que o apoio social é visto como preponderante para uma questão específica. Sempre que determinado assunto carecer do apoio social, e claro, havendo reciprocidade entre a mídia e os privilegiados com a ação, a sociedade passa a ser bombardeada com notícias, reportagens, propagandas e até publicidades, que possuem o mesmo objetivo, qual seja, conseguir o apoio da sociedade.
Nos últimos anos, impulsionados pela difusão dos meios de comunicação, principalmente dentre as classes sociais ditas de menor poderio econômico, o poder da mídia ficou ainda maior. É notória toda essa influência e persuasão que ela possui principalmente na parte mais pobre da sociedade, vez que esta, formada na sua maioria por pessoas com pouca instrução, acaba tomando como verdade absoluta tudo que é veiculado, justamente por não possuírem meios e ou condições de discordar daquilo que é dito.
O problema maior de tudo isso, não obstante a influência já dita, esta no fato que muitas notícias veiculadas principalmente as relacionadas com o universo jurídico, estão, quase sempre, dissonantes daquilo que realmente é, ou seja, da verdade. Muitos fatos transmitidos, principalmente na TV, não possuem qualquer relação com o que de fato são, e isso ocorre simplesmente porque a verdade em muitos momentos “não é um bom negócio”, isto é, não vende notícia e não dá ibope, por essa razão ela acaba sendo passada, digamos, de uma forma mais interessante.
Se no processo judicial estamos acostumados com o contraditório e a ampla defesa, o mesmo não pode ser dito das notícias veiculadas na mídia, posto que na grande maioria das vezes aquilo que é posto em forma de notícia não se direciona simplesmente para informar ou mesmo possibilitar que as pessoas tenham condições de formar suas próprias convicções, muito pelo contrário, da forma que tem sido feito, todo aquele que lê, assiste ou ouve determinada notícia esta muito mais propício a seguir a opinião apresentada e defendida do que propriamente formar sua própria.
A influência gerada pela mídia tem atingido patamares tão altos, que na mesma proporção tem tornado a questão ainda mais séria e preocupante, posto que temos notado que nem mesmo algumas entidades públicas que deveriam de fato zelar pela boa aplicação do direito, nem mesmos essas instituições têm conseguido permanecer imune a toda essa influência, na prática elas têm sucumbido a esse grito desesperado de “justiça” feito pela sociedade, mas que por de trás tem a mídia como autora mediata.
Apenas como exemplo do que esta sendo dito, podemos citar tranquilamente a questão do dolo eventual, que no início referia-se apenas aos crimes de trânsito. A discussão de fato só passou a existir quando casos específicos começaram a ganhar a capa dos jornais e minutos nos telejornais. Desde então o que se viu foi justamente aquilo que em outros momentos já chamamos “de banalização do dolo eventual”, isto é, se passou a aplicar uma ficção jurídica específica de forma abstrata, tão somente para impedir a aplicação de uma lei, diga-se a correta, e invocar uma medida mais gravosa.
Deixando a questão mais clara sobre esse ponto, organizando cronologicamente, vale ressaltar primeiro que muitos acidentes graves, envolvendo bebida e direção, foram postos nas muitas mídias disponíveis como forma de incitar na sociedade um sentimento de inconformismo e revolta, sempre ressaltando questões cruciais como, por exemplo, o estado da vítima e sua família, quantidade de pena, medidas substitutivas aplicáveis, enfim, sempre situações que provocassem na sociedade um sentimento comum de “impunidade”.
Feito isso, com o passar de pouco tempo, tamanha a repercussão que essas notícias geravam que não demorou muito para que todos passassem a fazer aquilo que comumente é feito no Brasil, criticar a legislação do país, clamando por leis penais mais duras e rígidas. Um discurso já visto quando falamos em populismo penal, tema este que a propósito é muito bem sustentado pelo professor Luiz Flávio Gomes.
A bem da verdade, um dos muitos defeitos dos brasileiros é de fato criticar as leis sem ao menos conhecê-las. A população tem por hábito dizer que o país precisa de leis mais duras, porém, desconhece completamente aquilo que já existe.
Isso por sua vez deságua em outro movimento preocupante que é o excesso de leis penais que são formuladas no país, seja para dar conta de uma situação específica ou mesmo para responder um fato específico, apenas como um “cala boca” social. Assim foi há certo tempo com a famigerada lei dos crimes hediondos, que representa claro exemplo de direito penal de emergência, como recentemente também o foi com já conhecida “lei Carolina Dieckmann”.
E por ai seguem muito outros exemplos de que a mídia não só contribui para formação de opiniões equivocadas, como também tem favorecido para um movimento legiferante penal extremamente excessivo e desproporcional. Isso nos remetendo mais vez para a idéia do professor Luiz Flávio Gomes sobre Populismo penal.
Mas, retomando o exemplo dos acidentes de trânsitos envolvendo consumo de bebidas. Com a sociedade já “contaminada” pela repercussão que se passou a dar sobre os acidentes envolvendo motoristas embriagados, e principalmente pelo fato do Código de trânsito Brasileiro (CTB) fazer apenas previsão de culpa, que sabidamente possui pena menor, como forma de tornar mais severa a situação e a punição do agente infrator, se passou então a aplicar a ficção do dolo eventual a todos os casos dessa natureza, justificando essa mudança de aplicação com a hoje muito conhecida frase: “o agente assumiu o risco do resultado”.
Até pouco tempo, não se ouvia falar, salvo nos ambientes jurídicos, sobre a expressão e o significado do dolo eventual. Hoje, por conta de tudo isso, dolo eventual passou a fazer parte do dia a dia dos brasileiros, qualquer fato que para o leigo possa representar um risco assumido pelo agente, ele dirá logo que trata-se de um caso de dolo eventual.
É impressionante e não se pode negar, a mídia conseguiu fazer com que todos passassem a invocar um instituto de direito penal, sem ao mesmo entender do que se trata, posto que essa ficção (dolo eventual) não deve ser resumida a um simples risco de agir. Entretanto, foi justamente essa a ideia que a mídia quis e conseguiu colocar na mente das pessoas.
Como dito acima, no início a questão do dolo eventual resumia-se tão somente aos casos de embriagues ao volante, mas ocorre que toda essa banalização acabou ganhando contornos ainda maiores, tanto que hoje, como fruto dessa semente plantada pela mídia, muitos outros crimes e situações também passaram a ser vistas pelo prisma do dolo eventual. Podemos pegar como exemplo o caso que ainda na esta na mídia que foi o incêndio na boate KISS, onde depois da investigação feita pela polícia civil, várias pessoas foram indiciadas pela polícia por conta do dolo eventual.
Vejam, que tamanho foi o absurdo visto na imputação feita nesse caso, que dentre os indiciados esta o cantor do grupo que se apresentava e que de fato deram início ao incêndio. Até ele foi indiciado por homicídio doloso em razão do dolo eventual, porque segundo dito a priori pela polícia, teria ele assumido o risco do resultado. Mas o que questionamos nesse ponto é: dolo eventual de que? Suicídio? Então é correto dizer que ele verificou a possibilidade de morrer queimado no incêndio e aceitou esse resultado!?
O porquê disso tudo, tanto do exagero visto na imputação, bem como da invocação do dolo eventual, resumi-se apenas ao fato de que não obstante a gravidade do incêndio e do numero de vítimas, a mídia não deu descanso para nenhuma das autoridades que cuidavam do caso.
Noutro quadro, outro exemplo que também reforça o que estamos dizendo, foi o caso visto recentemente em São Paulo, onde um rapaz atropelou um ciclista e depois do acidente empreendeu fuga do local sem prestar socorro e ainda dispensou o braço decepado da vítima em um rio. Por clara influência da repercussão dada ao caso, desde o início já se passou a falar que o agente assumiu o risco do resultado morte, posto que supostamente teria ele feito uso de bebidas alcoólicas na noite anterior. Todavia, muito diferente do que comumente se vê, nesse caso em especial, o juiz que recebeu o flagrante proferiu decisão que emana conhecimento jurídico penal, pois explica com uma clareza solar a completa incompatibilidade entre dolo eventual e a tentativa de homicídio. Mas isso, infelizmente, tem sido a exceção no meio jurídico.
O que há de preocupante nesses exemplos, remontando e ratificando aquilo que dissemos anteriormente, é que não só a sociedade é atingida e influenciada pela pressão da mídia, como na maioria das vezes as instituições públicas ligadas à aplicação do direito penal, também o são e isso resta claro por meio de muitas decisões inusitadas.
Tanto que a questão já chegou ao STF, onde na oportunidade o Ministro Luiz Fux ao proferir seu voto, ressaltou a importância de não se banalizar o dolo eventual. Isso ficou claro em todo o seu voto. (http://direitopenalemdia.blogspot.com.br/2011/09/voto-do-ministro-luiz-fux-dispondo.html)
Doravante, claro que a questão do dolo é apenas um dos muitos exemplos da influência que é exercida pela mídia. Outrossim, de forma até mais preocupante esta a questão dos casos levados a julgamento perante o Tribunal Popular do Júri, em especial àqueles onde a primeira faze do procedimento tenha ocorrido sob o enfoque de uma câmera de TV.
Muitos são os exemplos que servem ao caso, valendo citar: o caso Von Richthofen, Lindemberg, os Nardonis, o ex-goleiro Bruno, sem esquecer é claro do caso do Misael Bispo que foi o primeiro julgamento transmitido pela ao vivo pela TV.
O que importa ressaltar é que dada a notoriedade que eles tiveram corroborados principalmente pela forma com que a mídia lançava as informações, que nada mais eram do que acusações mascaradas, todos aqueles que se sentaram e compuseram o conselho de sentença, todos, indiretamente por terem acompanhado tudo que era lançado na mídia, quando do julgamento cada um já tinha certo, porém, velado o seu decreto condenatório, e isso não é culpa dos jurados, mas sim da mídia. Ressalta-se que em todos esses exemplos, aquilo que soou como uníssono foi justamente a condenação dos réus.
Por esse prisma, e levando em conta esses casos específicos, como não questionar a validade e até segurança jurídica de um júri feito em tais condições. Como efetivamente garantir a um réu que ele tenha plenitude de defesa, quando as pessoas que vão para julgá-lo já chegam em plenário prontas para condená-lo, justamente por conta de tudo que viram e ouviram durante todo o tempo que o processo esteve na mídia.
Fala-se em paridade de armas na relação entre acusação e defesa. Todavia, que paridade é essa onde a defesa já inicia um julgamento derrotada, e tem, num curto espaço de tempo que desconstruir anos de acusações lançadas na mídia e principalmente na mente daqueles que irão julgar. Que paridade é essa?
De outra feita, além de influir na mente dos jurados, igualmente é o resultado se olharmos para a duração do processo. A fim de tornar mais clara toda essa questão basta traçar um comparativo do tempo despendido para julgar um caso que esta na mídia de outro que não teve a mesma atenção.
A influência na duração razoável do processo é gritante, tanto que é desnecessário lançar mão de exemplos, posto que cada pessoa conhece ou sabe do cometimento de crimes graves, semelhante aos citados, mas que por não terem recebido a mesma atenção dos holofotes da mídia, não tiveram ou não têm a mesma pressão. Tanto que em relação a estes, ninguém sabe ao certo quando serão levados a julgamento. Muitos na verdade, cometidos há tantos anos atrás, hoje, caminham muito mais para a extinção pela prescrição do que para outra coisa.
Bem, depois de tudo que foi dito, fácil é a conclusão e a verificação de que o problema principal esta na mídia. Desta forma, quem sabe a solução para toda essa questão não seja a reformulação na forma de se fazer a notícia, que seja ela verdadeiramente imparcial, que antes mesmo de se tentar a todo custo saciar a fome por notícias sensacionalistas, tenham seus respectivos responsáveis respeito à Constituição da Republica Federativa do Brasil, no sentindo de tratarem todos como presumidamente não culpados, e não o contrário como temos visto.
Invocar a Constituição apenas quando há interesse em fazê-lo não é o caminho, ainda que esteja ali previsto que todos possuem o direito à: informação (art. 5º, inciso XIV da CF/88), manifestação de pensamento (art. 5º, inciso IV da CF/88) (que faço agora), e mais, ao sigilo das fontes (art. 5º, inciso XIV da CF/88). Todas essas garantias constitucionais não devem ser desvirtuadas e tampouco devem servir de escudo para justificar o injustificável. Pelos anos, quantas pessoas já não sangraram pela mídia, apenas para que ela tivesse o que escrever?
Vale citar como exemplo, o famigerado caso da Escola Base de São Paulo. Esse caso em especial marcou não só a década de 90, mas como todo o século passado como maior erro jornalístico que se teve notícia. Denominado pela mídia de “Caça as Bruxas”, o caso cuidava de uma acusação de abuso sexual praticado contra crianças, que teoricamente teriam sido abusadas na escola, onde as violências teriam sido praticadas pelos donos bem como por alguns funcionários. O fato na época ganhou espaço em todos os telejornais que preocupados simplesmente com IBOPE, veiculavam paulatinamente notícias absurdas, expondo as crianças (“vítimas”) na frente das câmeras para elas dizerem o que teria acontecido.
Enfim, pode-se dizer que foi uma inquisição moderna, posto que todos os apontados como autores, passaram a ser odiados pela sociedade de tal forma, que mesmo depois de provada a inocência deles, ainda há quem duvide disso. Tudo, simplesmente pela forma com que a mídia cuidou da questão.
Importa dizer que tamanha a gravidade de uma notícia feita sem responsabilidade, que mesmo tendo sido provado de que as “bruxas” na verdade nada haviam feito, que até hoje eles sofrem pelo ocorrido. O que foi para o telejornalismo apenas mais uma notícia, foi o suficiente para acabar com a vida de todos os envolvidos, em especial os donos da escola, que até hoje trazem consigo a marca da “Escola Base”.
O CASO ESCOLA BASE - PARTE 1 (https://www.youtube.com/watch?v=033A9C13gGY)
O CASO ESCOLA BASE - PARTE 2 (https://www.youtube.com/watch?v=6xrS5MXW0dY)
Visando evitar que fatos assim tornem a ocorrer, visualiza-se como solução para toda essa questão a necessidade de se estabelecer parâmetros éticos mais rígidos para a atividade jornalística de uma forma geral. A ética desta profissão, assim como a de todas as demais, deve estar pautada não no interesse individual do profissional no sentido de autopromoção ou de promoção da empresa, mas sim no interesse da sociedade de receber apenas a verdade. Não é a ética de um grupo que deve se sobressair, mas sim, a ética do todo.
Certa vez, a presidenta da república disse que prefere os gritos de uma impressa livre do que o silêncio de uma ditadura. Essa afirmação não esta de toda errada, pois foi feita por alguém que viveu de perto todos os horrores da ditadura e como consequência toda a censura que havia na época. O problema é como ensinar aos novos brasileiros, que quando muito só conhecem esse período da história por livros ou então por documentários feitos pela própria TV, como ensinar para essas pessoas que toda essa liberdade defendida para impressa deve possuir limites, como explicar que ela não pode ser feita da forma indiscriminada e irresponsável como tem sido feito.
Vivemos em uma democracia que ainda esta em formação, e por serem ainda fortes as marcas deixadas pela ditadura, há de fato um grande cuidado e receio em se tratar a impressa, justamente para que nenhum ato seja interpretado como censura ou mesmo como desejo de se voltar àquela época.
Não será com atitudes extremadas que formaremos uma democracia plena, pois qualquer que seja o ato extremado, seja para reprimir ou para liberar, ele não favorece a obtenção desse resultado. Temos sim, que efetivamente aprender a conviver com essa liberdade proporcionada pela democracia, que diga-se, não é uma liberdade irrestrita, muito pelo contrário, deve-se sempre ter como parâmetro o fato de que não há um direito absoluto, por isso não é possível sacrificar tudo em prol de uma reportagem. Se nem a vida ocupa lugar absoluto em nosso ordenamento jurídico, quem dirá a informação, esta que principalmente, conforme já vimos, nem sempre é sinônimo de verdade.
Por fim, a forma de se fazer notícia deve ser revista, ela não deve ter o fim de formar convencimento, mas apenas de transmitir informações no ponto em que às pessoas que a recebem, ao invés de simplesmente seguirem um pensamento posto, possam efetivamente formar suas próprias impressões, convicções, opiniões e conclusões sobre determinado fato. Isto é de fato liberdade, não só de passar informação, como ainda liberdade de pensar e pensar para se buscar o melhor.
Enquanto não se mudar a forma de se fazer e transmitir as notícias no Brasil, devemos primordialmente mudar a nossa percepção ao receber uma informação, não devemos considerá-la como verdade absoluta. Devemos sim, de outro modo, analisá-las, antes de qualquer coisa como uma mentira, mas uma mentira que possui potencial de ser tornar verdade.
Autor:
*Fabricio da Mata Corrêa - OAB/ES - 17.532* *Especialista em Ciências Penais *Assessoria e Advocacia Criminal* *Advogado do NUPRAJUR das Faculdades Unificadas DOCTUM/ES*
*www.fmcassessoriajuridica.jur.adv.br*
*http://www.direitopenalemdia.blogspot.com*/
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